Paula Damaris: maternidade e resiliência
"Sei que Alícia veio para me ensinar lições que eu jamais aprenderia de outra forma”.
Paula Damaris, 29 anos, carrega uma história de vida que é um verdadeiro testemunho de resiliência e amor incondicional. Mãe da Alícia, uma menina de 9 anos com paralisia cerebral, e Ester, uma bebê de 10 meses, Paula enfrentou desafios imensuráveis desde sua primeira gravidez, aos 19 anos, quando sua vida tomou um rumo inesperado e repleto de provações.
A descoberta e o início de um novo caminho
Paula engravidou de Alícia durante um relacionamento instável e descobriu a gravidez tardiamente, já com quase cinco meses. Jovem e sem a maturidade necessária, ela não seguiu o pré-natal com o cuidado que a situação exigia. A gestação transcorria sem grandes complicações, até que um descolamento de placenta durante o parto mudou completamente a trajetória que ela havia imaginado. Alícia ficou sem oxigênio por três horas, e após ser reanimada, sofreu uma convulsão que deixou sequelas irreversíveis no lado esquerdo de seu cérebro, comprometendo o lado direito de seu corpo.
"Quando recebi o diagnóstico de paralisia cerebral, foi como se o chão se abrisse sob meus pés", relembra Paula. Naquele momento, ela soube que sua vida seria completamente diferente do que havia planejado. Além do término do relacionamento com o pai de Alícia, ela se viu sozinha e desinformada, sem saber como lidar com os desafios que surgiriam. "Eu não tinha informação sobre nada, não sabia dos tratamentos, dos benefícios aos quais Alícia teria direito. Foi um momento de muito medo e incerteza”.
O impacto da desinformação e a busca por apoio
A falta de acesso à informação foi um dos maiores desafios iniciais de Paula. Sem o conhecimento adequado sobre os recursos disponíveis para mães de crianças com deficiência, ela passou por momentos de desespero e solidão. "Eu tinha medo do desconhecido. A ideia de criar uma filha com paralisia cerebral era assustadora, e eu não sabia quantos desafios viria a enfrentar”.
Paula admite que o preconceito e o estigma social foram fatores que complicaram ainda mais sua aceitação da nova realidade. "Eu tinha preconceito, sim. Achava que a minha vida tinha acabado, que eu nunca mais teria minha juventude de volta. Pensava que ia viver à mercê da Alícia, e isso me aterrorizava”.
Contudo, Paula não estava completamente sozinha. Sua mãe (foto abaixo) e sua tia foram fundamentais nesse início, ajudando-a a cuidar de Alícia enquanto ela ainda trabalhava; com o tempo, o pai de Alícia também passou a colaborar.
O processo de aceitação e a virada na vida de Paula
O caminho até a aceitação foi longo e doloroso. Paula teve que lidar com a culpa, o luto por não ter a filha que idealizou, e o medo constante de não ser capaz de oferecer a Alícia os cuidados necessários. "Chegou um momento em que pensei em desistir, em deixar que outra pessoa a criasse, porque eu achava que não conseguiria", confessa.
Foi nesse período difícil que Paula conheceu Gustavo, que se tornou um pilar de apoio essencial. "Gustavo foi uma virada de chave no meu maternar. Ele me apresentou a profissionais que poderiam ajudar no tratamento da Alícia e pessoas que também me ajudaram muito, a entender tudo aquilo que eu estava passando”.
A partir desse ponto, Paula começou a amadurecer e a aceitar sua nova realidade. As idas constantes a Belo Horizonte para terapias e consultas se tornaram mais leves quando ela compreendeu que Alícia era sua missão de vida. "Eu percebi que Deus colocou Alícia no meu caminho para que eu pudesse evoluir como pessoa. Comecei a ver as coisas de forma diferente, menos sofrida”.
Paula também menciona o apoio crucial que recebeu da Apae. "A Apae é um suporte muito importante que eu tenho, em tudo; a Apae aqui da cidade é uma referência no Brasil, e eu tenho todo o apoio e suporte para a Alícia”.
Nova gestação e o amadurecimento
Com o tempo, Paula encontrou o equilíbrio e a leveza necessária. Com a chegada da Ester, esse processo tornou-se ainda mais prazeroso. A gestação foi marcada por medo, mas também por esperança e confiança de que agora estava pronta para enfrentar todos os desafios. "Eu já estava totalmente realizada como mãe, mas eu confesso que tive medo durante a gestação da Ester. Eu pedia a Deus que me desse uma criança saudável, uma criança que fizesse bagunça, que espalhasse os brinquedos pela casa, porque eu não sei se conseguiria receber um outro diagnóstico", explica. (*momento de choro dessa jornalista)
Ester nasceu saudável e cheia de vida, trazendo à tona sentimentos e experiências diferentes para essa mãe. "Deus me deu a Ester exatamente como eu pedi. Coisas que eu sonhei para a Alícia, como andar, falar e brincar, estou vendo agora na Ester", comenta Paula. No entanto, essa nova experiência materna também trouxe à tona sentimentos de culpa e arrependimento. "Hoje, eu vejo o quanto fui imatura com a Alícia, o quanto deixei de entender suas necessidades por falta de informação e maturidade. Coisas simples, como por exemplo, cólicas, que todo bebê sente; incômodo por causa dos dentinhos. Muitas vezes, eu me alarmava e me desesperava achando que tudo era por causa da paralisia, e não entendia que ela também tinha necessidades simples como qualquer outro bebê. Infelizmente, a Alícia não teve a mesma mãe que a Ester está tendo”.
Vida atual e os desafios do futuro
Hoje, Paula dedica-se integralmente às filhas, mas mantém o desejo de voltar ao mercado de trabalho em algum momento. Ela encontra apoio em uma rede composta por sua mãe, tia, sogra e marido, que a ajudam a equilibrar as responsabilidades maternas com momentos para si mesma. "Eu tento equilibrar a Paula mãe com a Paula mulher. Visito amigas, saio com o Gustavo, e isso me ajuda a manter a vida mais leve; faço coisas que muitas mães atípicas não conseguem fazer, mas que são importantes”.
A inclusão de Alícia na escola e os tratamentos contínuos são vitais para o bem-estar da família. Paula é grata por todo o processo que precisou passar e por todas as pessoas que Deus colocou em sua vida. “Eu vejo a mão de Deus em tudo, guiando meus passos e colocando as pessoas certas em meu caminho. Mesmo nos momentos mais difíceis, Ele estava lá, me amparando”.
No entanto, as preocupações com o futuro da Alícia ainda são grandes. Paula teme pela saúde e pelo bem-estar da filha quando não houver mais a escola ou quando novos tratamentos forem necessários. "Minha maior preocupação é com os recursos para cuidar da saúde dela. Sei que vamos enfrentar mais desafios, mas tenho fé que Deus continuará nos guiando”.
Um pedido de inclusão e respeito
Paula também faz um apelo à sociedade para que enxergue Alícia e outras crianças com deficiência como seres humanos plenos, dignos de respeito e consideração. "O que mais me chateia é quando as pessoas não sabem como lidar com ela. Alícia é uma criança normal, uma criança de nove anos, assim como qualquer outra. Então, quando se deparar com uma pessoa com deficiência, com uma criança com deficiência, cumprimenta, conversa; mesmo que ela não vá responder, que ela responda com um sorriso, mesmo que ela não olhe pra você, ela está te ouvindo, ela está te vendo, ela está percebendo que você está se importando com ela, com a presença dela”.
Ela enfatiza a importância de ensinar isso também às outras crianças; de como interagir com pessoas com deficiência de forma natural e inclusiva. "Quando você encontrar uma criança com deficiência, converse com ela, sorria, trate-a com respeito. Isso faz toda a diferença."
Paula Damaris é um exemplo de força, resiliência e amor. Sua história é um testemunho de que, mesmo nos momentos mais difíceis, é possível encontrar esperança e propósito. "Hoje, sou uma mulher mais forte, mais madura, e sei que Alícia veio para me ensinar lições que eu jamais aprenderia de outra forma”.
Por Sandra Freitas - Redação Elas em Pauta